domingo, 21 de março de 2010

Alice no País da Poesia

Ainda antes de conhecer Alice Vieira, admirava-a pela enorme disponibilidade e por uma capacidade de comunicação que - tímida como eu era então - me espantava. Das suas qualidades de escritora, fala a carreira, melhor que eu. Mas hoje, Dia da Poesia encostadinho ao do seu aniversário, é de Alice no País da Poesia que prefiro falar.


"Guarda-me adormecida para sempre no teu peito

ou deixa-me voar uma vez mais
sobre esta terra de ninguém
onde morro por qualquer coisa que me fale de ti.

Há noites assim em que o silêncio se transforma
ao de leve numa lâmina que minuciosamente
rasga o linho onde ficou esquecido
o corpo que habitamos
em provisórias madrugadas felizes...
Depois é só abrir os braços e acreditar
que ainda faltam muitas horas para a partida
e que à-toa pelos corredores ainda escorre
uma razão primeira a trazer-me de volta.
E eu adormecida para sempre no teu peito.
E eu acorrentada para sempre no teu peito.
E de novo entre nós aquele choro de quem
não teve tempo de preparar a despedida
com as palavras certas;
porque as palavras certas
estavam todas em histórias erradas
que outros escreveram em lugares nublados
que nem vale a pena tentar recompor.
Muito ao longe uma voz desgarrada
estabelece o fim do verão...
E eu adormecida para sempre no teu peito
e eu acorrentada para sempre no teu peito..."

in Dois Corpos Tombando na Água

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