domingo, 17 de março de 2013

«Basta um acaso» - à memória de L.A.F., o Revisor Terça-feira, 17 de Julho de 2012


Lembro-me de, na adolescência, ler Simone de Beauvoir e identificar-me com a ideia de equilíbrio entre (aparentes) extremos. Fui sempre assim. Talvez por isso gosto tanto do que faço.
A escola é um mundo cheio de gente, de acção, de incerteza, de novidade; o riso, a gritaria, o choro, a alegria. Vida.
No meu cantinho, a revisão. Dedicação, pesquisa, alegria e desânimo contidos, intuição, verificação, comentário, sugestão, marca. Solidão.

Já quis dar o salto. Ficar aqui, gerir o meu tempo, embriagar-me de letras, afogar-me em páginas, adormecer depois do último pdf. Mas os tempos não estão de feição. Não, não conheço outros revisores, não falamos da profissão, nem das angústias, das alegrias e dos medos. Solitários.
Lembro-me muitas vezes das palavras de Reinaldo Ferreira: «Somos do tempo de viver aos molhos / Para morrer sozinhos.»

«Pelas minhas mãos passam tantas imagens e ideias alheias, tantas vozes, tantos credos, que a minha voz nestas páginas, por força, há-de soar artificial», diz Ricardo Menéndez Salmón em O Revisor, que reli à procura de um sentido, de uma linha de interpretação para um estranho luto que há semanas me traz mais gasta e insone que o habitual.

«A verdadeira maldição da vida não é o trabalho, nem o absurdo da existência, nem sequer a dor ou a doença: a verdadeira maldição da vida é o tédio. Só quem vence o tédio viveu, só quem é capaz de fazer outra coisa além de matar o tempo merece dizer “vivi”.»

– Estamos em estado de choque – disseste-me, quando o Revisor partiu. Quando o Revisor decidiu partir. Para sempre. E em estado de choque fiquei também, entre uma espécie de medo, aquela angústia meio estúpida da interrogação sobre o que poderíamos ter feito e a certeza do risco.

«Sempre que alguma coisa me oprime, corro para minha biblioteca. Tranquiliza-me acariciar uma lombada, ler uma página ao acaso […].» E foi o que fiz nesse dia. Li muitas, muitas páginas ao acaso. Procurei nomes, quis saber quem são os que se escondem nas palavras dos outros. Chorei, não sei se pelo Revisor, se por mim, se pelos amigos.
O Revisor era um homem grande, um homem sábio e discreto. Tê-lo-á reconhecido quem devia? Foi o tédio quem o venceu?

«A nossa vida, toda ela, desde que amanhece até à hora do lobo, é uma grande mentira, uma sombra, um intenso simulacro. […] É para habitarmos essa mentira, para nos reconciliarmos com essa sombra e com esse intenso simulacro, para conciliarmos tudo o que sabemos com tudo o que podemos suportar saber, que existem coisas como a literatura.» E, no entanto, a literatura não basta. Não, nem mesmo para os que a escolhem como bastante.

«Somos pouco, muito pouco, um fio entre duas trevas, e basta um acaso, uma aragem, um incidente a meio da noite, para que o fio se parta, caia no vazio, se torne invisível.»

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

sexta-feira, 30 de julho de 2010

domingo, 13 de junho de 2010

Ainda abro os livros, Pai

ainda abro os livros mais antigos
onde o pai e a sua voz regressavam
para suavizar-me o exílio
ou justificar-me as inquietações

ainda choro sem que me conheça danos
me adivinhe ausências ou medos

ainda abro os livros meu Pai
e já não tenho mais nada

morro sem fé afogada em palavras

CSC








terça-feira, 8 de junho de 2010

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Crepuscular

Deixei de pronunciar o teu nome
contorno apenas na luz
que me fere ainda
os sentidos
arreganhados
num silêncio intemporal.

Quisera ser sombra
entre as sombras
que tombaram sobre nós.

Longe
sobram-me versos
ainda vestidos de ti
nesta obscuridade.

No silêncio crepuscular
soletro o teu nome
cristal tão fino
ancorado no meu peito.

CSC

domingo, 23 de maio de 2010

Noite II

Colado nas paredes estriadas

(que a Lua está cheia e

as persianas meio abertas)

navegas nas sombras repetidas

do meu quarto.


esqueço que Janeiro é frio

e que a noite entrou em nós:

estendo a mão para o telefone.

como se tivesses lugar-onde

e tempo para ser afluente

nesta minha obscuridade.


descubro que não há olhos

no teu rosto e

o frio é só

um limite na ponta dos dedos.


amanhã

dar-te-ei o longe o esquecimento

direi das sombras

as formas

e do silêncio

o bocejo

que o há-de quebrar.

CSC, Janeiro de 1986