À memória de meu Pai, a quem doía tanto o Dia da Mãe.
À Inês, ao Vasco, à Marta, ao Filipe e ao Afonso, que não conheceram os Avós.
Era um pesadelo, mãe, e eu só queria acordar. Abria os olhos, estava muito calor e aquele quarto escuro não era o meu. O cheiro que chegava do jardim não era o cheiro de nossa casa. Ali, de meu só tinha o pequeno Rei Luís, adormecido há pouco, chorando, agarrado ao meu braço.
E onde estava o Tony? E onde estava o João?
Tudo tão diferente, mãe, mas o mais estranho de tudo era o silêncio. Porque no final dos nossos pesadelos nascia sempre a voz da mãe ou do pai para nos salvar de qualquer ser estranho que nos atormentasse. Naquela noite, o silêncio ganhava corpo, com forma e um odor que se adivinhava pestilento, por sobre o aroma forte das flores daquele jardim que não era nosso.
Quando amanheceu e comecei a acreditar que, finalmente, voltaríamos a casa para ouvir uma história – porque já era domingo, mãe –, um fato negro entrou, chegou junto de mim e falou. Tinha uma voz lenta e estranha, tão estranha e tão parecida com a do pai! Mas era um fato negro alto, muito mais alto que o pai e ainda mais magro e dizia coisas tão esquisitas como a voz que soava familiar:
̶ Queres ir ao funeral?
De repente, o cheiro do jardim asfixiou-me e o silêncio amarrou-me àquele fato negro que tinha a voz de meu pai.
Na sala ao lado, alguém falou e ouvi o meu Rei Luís:
̶ Quatro, tenho quatro anos.
Aconteceu uma coisa importante nesse dia, mãe, e ninguém deu por nada. Como é que só eu, tão pequena, percebi, ó mãe?! Nesse dia, Deus morreu.