domingo, 28 de fevereiro de 2010

Um Homem Singular


"Experiência não é o que acontece com um homem; é o que um homem faz com o que lhe acontece."
Aldous Huxley, citado por George Falconer [Colin Firth] em Um Homem Singular, de Tom Ford.

"Viver no passado é o meu futuro."
Charley [Julianne Moore], idem.

E, claro, recomendo o filme. Melhor do que pudesse dizer - não sei nada de cinema senão o prazer que retiro de um bom filme -, encontram, por exemplo, em:

sábado, 27 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

...

A fotografia não é minha, mas é pena - gostaria que fosse. Fui buscá-la à Casa das Letras (http://www.facebook.com/pages/Casa-das-Letras/124598197822?ref=mf).
Se eu pudesse esquecer o vento (digo, os ventos) e ler como se o meu mundo fosse ainda mais pequenino do que é, durante este fim-de-semana...

De rosas não sei

davas-me rosas.

às vezes davas-me rosas.

os olhos e o silêncio

vertias nas minhas mãos às vezes.

quando depois as luzes fugidias

me entregavam na noite em ti

eu dizia, Quero trazer à superfície

os espelhos que melhor te desenham.

eu dizia, Não é um sopro

a embriaguez que trago em mim.

eu dizia, Hei-de colher no teu peito

a linha exacta do meu horizonte.

não me ouvias. ou esqueceste. não sei.

não sei.

eram cheias as vinhas

e o sol ausentava-se devagar.

setembro talvez.

despedi-me uma manhã.

agora a mesa está vazia

e tenho nas mãos um cacho sem sabor.

de rosas não sei.


Publicado na revista Ara Gris (N.º 2, Janeiro de 1986)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

"Abstracções" - Saulo Silveira

"Abstracções" é uma exposição de pintura de Saulo Silveira inaugurada a 13 de Fevereiro e disponível até 7 de Março na LM - Galeria de Arte Contemporânea (Rua Álvaro dos Reis, 47 - Chão de Meninos - 2710-526 Sintra). Para ter uma ideia - ou abrir o apetite? - visite:

Na página do pintor, podemos encontrar o domínio de outras artes:


"Correm rios de tinta

nas minhas veias,

que desaguam em oceanos

nas telas brancas.

Rios onde navegam

as emoções da minha infância,

quando os cheiros das margens,

da terra e do campo me embriagavam,

e as aves coloridas,

com os seus elegantes vôos,

desenhavam a geometria

da natureza do céu.

Deixo-me ir ao sabor desses rios

azuis, vermelhos, amarelos...

porque os rios tem o seu destino

estabelecido mas

os meus correm ao acaso,

eu é que tenho de os traçar..."

Saulo Silveira

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O fascínio do giz branco

O regresso, depois de escassos dias de interrupção, foi bom. Admito: tinha saudades. Muitas saudades, o que até parece estranho, em tão poucos dias. Lembrei-me de, há muito tempo, ter escrito sobre a forma como "respiro" na escola.


Cheguei pela mão de minha mãe. Antes de me deixar, ela compôs-me o cabelo, alisou a minha bata-branca-novinha-em-folha num gesto meigo e saiu. Imagino – imagino apenas, que uma menina de seis anos não observa essas coisas – que estivesse ligeiramente emocionada. Até então, enquanto ela e meu pai trabalhavam e meus irmãos frequentaram por algum tempo o jardim-de-infância, eu estivera sempre em casa, com a avó. Sentei-me na última carteira. Quieta. Calada. Bem comportada, como a mãe recomendara. Quem sabe, assustada com aquele mundo de novidades que – não o sabia ainda, como poderia saber? – iria determinar a minha vida, tornar-se um destino, se isso existe.

A sala de aula, enorme, estava cheia de meninas de bata branca e algumas conversavam entre si. Volta e meia, uma senhora muito pequenina vinha ver se tudo corria bem. Era a Menina Isabelinha, a nossa contínua, e surge tão nitidamente na minha memória que agora mesmo a vejo limpar as lágrimas às mais choronas, refrear os ânimos das mais atrevidas, olhar por nós como se não houvesse outro mundo.

Quando a minha professora chegou, atravessou a sala em silêncio. Muito alta e já velha – achei. E digo achei porque, bem feitas as contas, só a minha pequenez o diria assim. A Sr.ª D.ª Judite leccionou ainda tantos anos que não podia ser velha nesse meu primeiro dia de aulas, um 7 de Outubro luminoso numa cidadezinha do interior.

Nesse tempo ainda se fazia exame na 4.ª classe. Meu pai acompanhou-me no dia das provas orais. Curiosamente – e só agora alinho assim estas memórias – entrei com a mãe, saí com o pai, e não me recordo de, entre uma coisa e outra, algum deles me ter ido levar ou buscar. Tive sempre, no caminho, a companhia de algum dos meus irmãos.

Durante esses quatro anos fui feliz. Gosto ainda da imagem que tenho da minha professora: rosto sereno, cabelo grisalho, a voz clara, segura. Lembro-me da textura da minha pasta castanha, do frio do fecho de metal, do pesponto do bolso da bata – quantas vezes aí terei passeado os dedos nervosos, sob a carteira? A Alda, a Lina, a Helena Gomes e a Joaquina foram as minhas companheiras de carteira. A Cristina Rapoula emprestava-me os lápis de cera, ao tempo os únicos que eu conhecia. A Cristina Lopes Dias atiçava os cães da avó às colegas, mas poupou-me sempre a esse susto. Jogava às pedrinhas, à macaca, às estátuas e aos cinco cantinhos. Fazíamos coroas com as flores do pátio de recreio. As estagiárias ensinavam-nos muitas canções e dobragens em papel e no dia do exame ofereciam-nos rebuçados.

Tudo isto e muito mais que não sei dizer (como o cheiro e o burburinho dessa sala de aula), está comigo ainda, num misto de emoção e encantamento. Mas o verdadeiro fascínio da escola começou quando a Sr.ª D.ª Judite pegou no giz branco e riscou o quadro preto. Talvez tenha sido por isso que eu decidi:

Quando for grande quero ser professora.

E, se a dada altura me deixei seduzir por cartuchos de papel pardo e sacas de farinha e arroz, rebuçados de meio tostão contados aos pares e desejei ser merceeira... ou se mais tarde sonhei entregar-me à medicina, a verdade é que cedo me defini:

Quero ser professora.

E agora que alguns anos passaram sobre a minha estreia numa aldeia perdida entre pinheiros, pergunto-me: porque é que aqui estou? Há outras coisas que eu poderia, gostaria de fazer. Porque estou aqui? Porque cheguei aqui?

Gosto dos miúdos à minha volta? Quero ser para alguém uma Dona Judite? Foi a minha escola que me deixou o desejo de outra escola?

É esta a minha vocação?

E o que é a vocação?

Ah, não sei. Estou aqui porque sim: porque ainda me fascina o giz sobre o quadro preto. O cheiro de uma sala de aula. Os ruídos próprios de uma escola. Um ritmo interior que nos deixa desadequados noutros lugares.

Era disso que eu sentia já saudades no final das férias. Há uma respiração que só a escola me permite.

Publicado na Cartilha de Março de 1992

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Gulbenkian na medici.tv

A Gulbenkian informou, por mensagem electrónica, que o concerto das 19 horas no Grande Auditório teria transmissão directa na internet. Divulguei quanto pude - talvez demasiado tarde para a maioria - e, felizmente, estava com disponibilidade para assistir, em directo, no sossego do meu canto.

- Não é a mesma coisa! - dir-me-ão alguns.
E não, não é. Esmerei-me para tentar as melhores condições acústicas, mas seguramente não são as do Grande Auditório. Não me concentrei como se estivesse in loco. Mas, em compensação, beneficiei de pormenores acessíveis às câmaras que me seriam vedados de outra forma. As expressões do maestro. A proximidade dos instrumentos, em perspectivas inesperadas. A solenidade dos intérpretes, especialmente dos solistas. E, sobretudo, pude "estar lá" - e não esperava "ir" hoje à Gulbenkian!

Missa Solemnis in D., op. 123, Beethoven
Chamber Orchestra of Europe
Coro Gubenkian
Maestro John Nelson.

Solistas: Tamara Wilson, Elisabeth DeShong, Nikolaj Schukoff e Brindley Sherrat.

Parece indispensável referir que a realização é de Rhodri Huw, com produção de Idéale Audience e Soli Deo Gloria.

É pena que eu não saiba bastante mais sobre música para vos deixar aqui um bom comentário... Mas fica o desafio: assistam! Em breve, estará disponível em www.medici.tv.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

As luzes do cais

Comia uvas à beira do passeio
a enumerar os rostos que amei.
Sou nova, pensei, Talvez
alguém deseje um pedaço de mim
e os meus olhos.

fiquei sentada. as mãos húmidas.
a boca também.
com um pauzinho de gelado
rabisquei no pó do largo deserto
alguns nomes que apaguei depois.

comprei o jornal no quiosque
e soube de lugares e paixões e mortes.
ninguém me falara daquele mar.
nem das cidades. ou do crepúsculo.
das mulheres com insónia.

É tarde, lembrei-me, É preciso voltar.
há um lume antigo no meu corpo.
escuto o longe e a memória.
ruínas de mim. e de ti.

É preciso voltar, repito,
Mas tenho medo. a noite apagou
os rastos no meu caminho.
não me lembro de que lado estou
e as luzes do cais enganam tanto.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Porque nunca aconteci

parti em silêncio sem te dizer de algemas

ao encontro do lugar suicida

presos braços ou gestos a voz ainda

na varanda das nuvens e dos temporais

calei os sinais as cores renovadas

os nomes que enchiam as paredes

vocativos do que nunca fui

mas ousei sonhar

fingi fome de ventos na minha sede de ti

árvore golpeada morro devagar

e só não sei meu amor

porque nunca aconteci.

Saudade

"Sodade é uma dô que dá,

mas não é dô de doê.
É vontade de alembrá,
é vontade de esquecê.

É dô de dente,
machuca,
mas onde dói não se vê.

E a gente pega, catuca,
pra não deixá de doê..."

Luiz Peixoto

sábado, 13 de fevereiro de 2010

13 de Fevereiro

Há dias melhores que outros para dar início a um projecto?
Não sei. Pareceu-me, desde muito cedo, que começar é sempre bom. Mas não tenho dúvidas de que este é um dia excelente para abrir um blogue: meu Pai nasceu a 13 de Fevereiro e foi o primeiro a incentivar-me a escrever e a encetar novos projectos. Depois dele, outras pessoas, de que destaco o Ricardo e a Inês, minha filha, que persistia na criação de um blogue. O avô, que não viveu o suficiente para conhecer a internet, faria coro com ela.

Aqui está, então, Bikitim: para Hermínio, Ricardo e Inês.